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Há 3 semanas não atendo meu telefone. Não por elitismo, por selecionar chamadas ou por revolta ao sistema.
Inicialmente por falta de memória (esqueci o carregador em casa) e alteração na duração da minha última viagem (3 vezes extendida). Alguns dias sem o aparelho não fariam diferença, ainda mais quando estava a aproveitar Sampa para pesquisar novos territórios e distanciar de velhas raizes.
No trajeto de volta, enfrentei o som e fúria do, ainda em voga, apagão áereo. Ao chegar no aeroporto, vi filas, choros, confusões e cenas que já previa; coisa de filme de catástrofe. A média era de 2 horas de atraso para os vôos, sendo que ainda era manhã: tudo indicava que o chá de cadeira seria quente e amargo.
A fila do
check-in andou mais rápido que o esperado, e logo fui atendido por um rapaz de feições japonesas e nome impronunciável. De fala rápida e agilidade impressionante, conferiu a documentação e nos garantiu o passe de entrada à aeronave. Perguntou sobre malas a serem despachadas, e logo respondi:
-Nenhuma. Tenho apenas uma mochila, sempre levo na mão.
Como, de fato, sempre levei. Aquela não foi minha primeira viagem aérea, e julguei que as proporções da mala seriam as permitidas (se bem que em outras ocasiões já entrei à bordo com quase meia dúzia de sacolas e apetrechos que ultrapassavam quaisquer limites e tamanhos e nunca fui barrado ou questionado sobre tais pertences).
O atendente nem olhou minha bagagem, e respondeu "mas a mochila tem que ser pesada, pois existe um máximo de cinco quilos por passageiro". Um outro funcionário logo colocou a bendita na balança, e verificou que o peso estava acima do permitido (duzentas gramas acima do dobro, para ser exato).
Rápidos e competentes, encheram de lacres seus zíperes. Rapidamente, despacharam a mala, terminaram os procedimentos de embarque e começaram a chamar o próximo cliente.
Nesta hora não me importei com o aparelho celular, que estava sem carga, inutilizável.
Apesar de todas as expectativas de atraso, o vôo estava com previsão de sair de Congonhas no horário certo. Tanto que nem consegui comer um café-da-manhã improvisado da Casa do Pão de Queijo: tive que sair correndo pelos corredores do aeroporto com o panine e mate na mão, para não ser o motivo de mais um atraso.
Viagem tranqüila num vôo lotado, com direito a cachorro-quente e Xingu. Aterrisamos, peguei a mochila na esteira e fui pra casa.
Minha primeira curiosidade ao chegar lá era carregar a bateria do celular e verificar as ligações perdidas e contatos pendentes. Abri o compartimento onde o aparelho estava, enfiei a mão com toda fé, e ... nada! Restavam os cabos e fones de ouvido guardados pelo ziper. O celular não. Revirei a mochila, na esperança de estar noutro bolso. Nada.
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Liguei pro 0800 da companhia aérea: "o senhor tem que fazer a reclamação no balcão do
check-out ou através do telefone tal". Por óbvio, o telefone tal não tinha resposta. O jeito era voltar ao aeroporto (o que em Curitiba não é logo alí na esquina).
Fui. Lá dentro, convenci o guardinha que cuidava do pessoal do desembarque de que eu não era um terrorista, e ele me deixou entrar e conversar com as moças do balcão.
-Ah, mas não podemos abrir um protocolo interno, afinal o senhor já saiu do saguão de desembarque. Além disso só abrimos esse protocolo quando a mala estiver com lacre violado e o senhor abrir a mala na nossa frente e se algum bem estiver desaparecido. SE acontecer isso, nós pesamos a mala, e SE tiver uma diferença de 1 quilo, nós abrimos um protocolo interno de investigação.
- Um quilo?!? Que tipo de celular pesa isso?!? - Exclamei, indignado.
Não tive resposta a essa pergunta, apenas um silêncio constrangedor. Insisti na abertura do tal
protocolo interno, mas
as normas da empresa eram outras. Pedi pela supervisora, que desceu até o
check-out, e foi inútil para a resolução do problema; informou que caso passageiro despache algum produto eletrônico ou jóias, deve avisar a companhia aérea na hora do
check-in, e deve pagar uma taxa no valor de 10% do valor do bem (!!!), como uma forma de "seguro".
Em suma: se tu despachar uma mala com "pertences valiosos", esses serão roubados. Esse é o pressuposto: inevitavelmente, alguém da empresa ou dos aeroportos vai
passar a mão no tel celular, câmera digital, lap top, brincos e anéis. Serás um sortudo se isso não acontecer. E para verificar o crime, deverá abrir a mala assim que desembarcar: no meio do aeroporto, na frente de todo mundo, e na presença de um atendente da companhia. Só se, ainda por cima, o objeto roubado tiver mais de um quilo.
Durante essa conversa, a supervisora insistiu na idéia de que não eram regras únicas de seu empregador: assim ditava a legislação da ANAC, e que, em caso de dúvidas, poderia reportar-me diretamente no guiché da Agência Nacional da Aviação Civil. Eu fui. Um rapaz calmo e atencioso nos atendeu, ofereceu café e confirmou as palavras da atendente e supervisora. Mostrou o texto da lei, e reafirmou que "casos como esse são frequentes".
Esse drama é bem Seinfeld, que inclusive tem um episódio similar: ele suspeita que o cara da lavanderia roubou alguns dólares de uma calça que lavara. Ao questionar sobre o sumido, o atendente mostra uma placa com os dizeres "não nos responsabilizamos por bens deixados dentro dos bolsos das roupas". E Seinfeld afirma:
-Ah, muito simples. Basta colocar uma placa na parede e poderá fazer o que quizer aqui dentro? Pode roubar, bater, matar. Afinal, tem uma placa na parede com as regras desse seu pequeno território particular, um país com suas próprias leis.
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No caso do programa de TV, o protagonista não tinha certeza do furto, e fez nada. Mas aqui, sei bem o que aconteceu. Roubo. E por mais que existam algumas regrinhas internas ou escritos de uma Agência Reguladora, nada impede que o crime tenha sido de fato consumado, e que o meliante continua à solta, apropriando-se de bens alheios, e o pior de tudo: com o respaldo e proteção de um companhia áerea e de regrinhas
lavo-minha-mão.
Saindo dos escritórios da ANAC, fui até o posto da Polícia, fazer um Boletim de Ocorrência. Não pude: não tinha ninguém na salinha da Polìcia no Afonso Pena.
Passados dois dias, depois de duas viagens à Delegacia de Furtos (na primeira vez estava sem o número de série do brinquedinho roubado), consegui o B.O., e informei minha operadora de celular tudo o que passei. Ficaram de analisar o caso e em 5 dias úteis responder sobre o caso. Para minha surpresa, e de todos que conheço, 2 dias depois, chegou no escritório (plano empresarial) um celular igual ao que foi roubado, novinho, na caixa.
Ufa!
Ontem chegou o chip e voltei a atender o meu número habitual.
A minha briga com a operadora foi amenizada (já perdi alguns dias no telefone por causa de valores indevidos em faturas antigas, celulares incluídos no nosso pacote sem autorização, e cortes do serviço em pleno sábado à noite).
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O drama do celular merecia um post exclusivo. Além disso, a novela não chegou ao fim. Apesar de ter um celular doado pela TIM, ainda tem alguém na TAM praticando crimes em outros passageiros. E eles deveram responder judicialmente pela prática de seus funcionários. E com promessa de briga pelas pequenas causas por aí, fim.